domingo, 21 de novembro de 2010

“A coisa aqui tá preta”: Uma rápida contribuição à construção da consciência histórica negra






“A coisa aqui tá preta”: Uma rápida contribuição à construção da consciência histórica negra - http://racismoambiental.net.br e/ou http://dignitatis-assessoria.blogspot.com/

Por Eduardo F. (Nem tanto afrocentrado quando poderia, nem tão obcecado que não se permite escutar muito choro, samba e o rock ‘n´roll).

Texto em Homenagem as Crioulas e os Crioulos de Conceição (quilombo vivenciado nas alegrias e tristezas).

No ano de 1975, Chico Buarque lançou o LP “Meus Caros Amigos”, obra com músicas de extrema relevância política, entre elas “O que será? (À Flor da Pele)”, da qual o dueto com o amigo Milton Nascimento ainda é citado como uma das mais belas parcerias da música brasileira. No mesmo LP, músicas relevantes, como Mulheres de Atenas, Olhos nos Olhos, Vai Trabalhar, Vagabundo e Passaredo.

Em uma das “tabelinhas” do LP com Francis Hime, Chico Buarque compôs “Meu Caro Amigo”, que em uma das suas estrofes assevera que a coisa tá preta: “Aqui na terra ‘tão jogando futebol/Tem muito samba, muito choro e rock’n’ roll/Uns dias chove, noutros dias bate sol/Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta/Muita careta pra engolir a transação/E a gente tá engolindo cada sapo no caminho/E a gente vai se amando que, também, sem um carinho/Ninguém segura esse rojão.”

Nesse período histórico e político brasileiro, a Ditadura campeava sua enfurecida frente contra os grupos, partidos e movimento de esquerda, que em parte, entendiam que a única saída do processo ditatorial seria através da luta armada.
Os militares, com o Poder Executivo nas mãos, criavam tipos penais através de Atos Institucionais, possuidores das rédeas eleitorais; promoviam o controle do Poder Legislativo; de quebra, através de nomeações e influência política, determinavam o funcionamento do Poder Judiciário e do Ministério Público. Por fim, utilizavam da mídia escrita e televisiva para transmitir à população brasileira os atos de terrorismo, de subversão, de anti-patriotismo e heréticos, praticados principalmente por jovens de diversas camadas sociais. Mera coincidência com o processo eleitoral no âmbito nacional em 2010?

De toda sorte, outras formas de resistências organizavam suas bases de atuação teórica e intervenção prática, ou melhor, re-organizavam de maneira mais orgânica a materialidade e subjetividades nas insurgências constituídas e sufocadas no período colonial, imperial e da República Velha.

Articuladas pelo signo da identidade (étnica e/ou cultural), os povos originários e o movimento(s) negro(s) urbano entravam mais uma vez no cenário político nacional, posicionando-se enquanto primeiros movimentos sociais do Brasil, visto que as lutas dos indígenas e da população negra não eram/são prestigiadas na história oficial. Cotidianamente foram soterradas, e mesmo as vanguardas progressistas das esquerdas brasileiras não utilizavam os discursos, as práticas e/ou as potencialidades destes atores socais enquanto tentativa de compreensão de uma realidade brasileira diversificada. Esses silêncios políticos também aconteceram em relação ao movimento feminista e ao movimento LGBT (essa diversidade sequer era pautada). Ao que parece, essas linhas tênues estão sendo articuladas com algumas aproximações, estranhamentos e necessitando ampliar respeito à autonomia e diversidade das contribuições subversivas. De toda sorte, é notório que essas (re)leituras estão em prática e incomodam setores conservadores.

No tocante à movimentação política dos/as negros/as, um dos baluartes é o Professor Abdias Nascimento, um dos responsáveis para a retomada do tema/expressão quilombo e da identidade negra em uma perspectiva local-internacional. As propostas de Abdias Nascimento não são apenas de vigor social, cultural e econômica, mas também inauguram no Brasil uma perspectiva que se diferenciava das leituras tradicionais das esquerdas brasileiras.

Abdias Nascimento trouxe para o Brasil os debates enfrentados nos EUA, nos anos de 1960-1970, em torno das políticas de ações afirmativas, o pensamento de lideranças políticas e a postura dos Panteras Negras, assim como auxiliou a difundir o pan-africanismo enquanto perspectiva teórica e prática.
O professor ainda foi diretamente responsável pela criação da Fundação Cultural Palmares, lançou a discussão em torno do Quilombismo/ Estado Quilombista e da integração entre o Brasil e África. As repercussões de suas leituras e perspectivas foram marcantes para que a militância negra que associasse em torno dos quilombos a sua representação simbólica de resistência, emergindo o nome de Zumbi e de Palmares enquanto elo vivo de pertencimento de África no Brasil. Não por acaso, o dia 20 de novembro (hoje) é o Dia da Consciência Negra – morte de Zumbi.

O surgimento do Movimento Negro Unificado é um dos componentes históricos, no Brasil dos anos de 1970, importantíssimo para a (re)construção da identidade negra. Por justiça histórica, é importante sinalizar a Frente Negra Brasileira (1930), grupos de mobilização da Bahia (Ilê Ayê, Oludum e outros), escolas de samba no Rio de Janeiro, as nações de maracatu em Pernambuco, os grupos literários e os trabalhos acadêmicos realizados pela Escola Paulista de Sociologia entre os anos de 1950-1960,
que também são inexoravelmente parte desse caldo cultural, acadêmico e político.

Importante destacar que pouco (apesar de uma melhora significativa nos últimos dez anos) se discute seriamente no Brasil tais nuances. Sempre essas temáticas estão contidas em uma dimensão econômica, conjuntural, estrutural, ideológica, que se apresenta diante da realidade enquanto maior e objetiva, diante do menor e meramente subjetivo. Óbvio que a dicotomia não é tão direta, nem se excluí o componente classe nessas relações. O que é necessário apresentar são as confluências e contradições de algumas assertivas deterministas de ambos os lados.

A academia ajuda sobremaneira em manter essa posição subalterna dos temas identitários, seja por puritanismo/ingenuidade (quando à discussão recai sobre as cotas é senso comum a aprovação destas para os “pobres” e não para os/as negros/as, indígenas e outros segmentos, que são em grande maioria componentes desta camada social excluída ou incluída em um modelo predatório de produção, consumo e sustentabilidade), modismos e/ou por tentativa de manter um espaço autoritário de construção do saber, sempre visceralmente ligada às tradições européias, onde a pretensão de estabelecer qualificações, conceitos, elementos e significados não conseguem apreender a diversidade e vigor do pensamento sul-sul. Desta forma, são desqualificadas teorias, reflexões e ações; são “denunciados” por não formar grupos não uniformes; apontados enquanto “rachados”, apolitizados, barganhadores por mero uso simbólico do poder nas estruturas governamentais etc.

Por falta de um maior discernimento das perspectivas alavancadas pelos movimentos culturais ou étnicos, pouco se demonstra que um impulso significativo para a viabilidade política e social do movimento negro foi o entendimento da questão de gênero dentro das suas singularidades. Milhares de mulheres negras atuam/atuaram em espaços políticos em virtude desta visão amplificada dos processos de formação de identidade. As nossas líderes de Conceição das Crioulas são a materialização desse vigor. A discussão de gênero ganhou muito mais destaque dentro da militância negra (vice-versa) do que em outros movimentos sociais (sindicatos, partidos e de luta pela reforma agrária).

Voltando ao Professor Abdias Nascimento, é imprescindível citar que o mesmo foi Deputado Federal e Senador, exerceu docência em Universidades brasileiras, americanas e européias, assim como foi um dos principais criadores do Teatro Experimental do Negro, que tinha como foco a representação do negro em processos de resistência social e afirmação étnica/racial, abordando, principalmente, os apenados do Estado de São Paulo.

A preocupação do Professor Abdias sempre foi pautada na urgência do passado em processos que possibilitassem a reconstrução de uma memória negra no presente, ou seja: “é urgente a necessidade do negro brasileiro recuperar memória, sistematicamente agredida pela estrutura de dominação ocidental – européia há quase 500 anos”(NASCIMENTO,1994).

As contribuições de Abdias Nascimento são designadas por uma categoria de análise-ação “pan-africanista nascimentista”, através do qual o pensamento global pan-africano toma outras dimensões em terras brasileiras e caribenhas.
Enfim, somos mais “sabedores” e “saboreadores” da vida e obra de Chico Buarque do que de vários artistas e compositores negros/as de samba que influenciaram diretamente as formas de composição dos expoentes da MPB nos anos de 1920-1980. Nas narrativas dos movimentos sociais brasileiros, o movimento negro, feminista e dos indígenas ainda são categorizados enquanto novos movimentos (até pejorativamente de pós-modernos). Chico Buarque cravou em Meu Caro Amigo a expressão “a coisa aqui tá preta”. A associação é sempre direta ao período da ditadura militar ou algo negativo no cotidiano. Porém, podemos interpretar “a coisa aqui tá preta” e nos posicionar vivenciadores de um momento muito rico na constituição da luta pela igualdade racial no Brasil. Conhecedores mais de Sartre, Foucault, Marx, Weber, Comte ou Maquiavel do que … pois é, a coisa ainda tem que ficar preta!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Ano Internacional dos Afrodescendentes e o Racismo






Brasil 2011: Estado festejará Ano Internacional dos Afrodescendentes distribuindo livro racista nas escolas
enviado por - Web Site - www.leliagonzalez.org.br
Eliane Cavalleiro*
Doutora em Educação – USP
Docente na Faculdade de Educação - UNB


A sociedade competitiva e os preconceitos geram uma violência que deve ser combatida pela escola. Ensinar a viver juntos é fundamental, conhecendo antes a si mesmo para depois conhecer e respeitar o outro na sua diversidade. A melhor maneira de resolver os conflitos é proporcionar formas de buscar projetos e objetivos em comum, através da cooperação, pois assim ao invés de confrontar forças opostas, soma-se a diversidade para fortalecer as construções coletivas (Jacques Delors, UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999).


De acordo com Delors, a transmissão de conhecimento sobre a diversidade humana, bem como a tomada de consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta constituem fundamentos da educação. Entretanto, às vésperas do Ano Internacional dos Afrodescendentes, o Ministério da Educação do Brasil rejeita consideração do Conselho Nacional de Educação, que atento às Leis que regem a Educação Nacional, pondera sobre a distribuição do livro de literatura infantil Caçadas de Pedrinho (1), de Monteiro Lobato, que, originalmente publicado no ano de 1933, difunde visão estereotipada sobre o negro e o universo africano, apresentando personagens negras subservientes, pouco inteligentes, até mesmo aludindo a animais como o macaco e o urubu quando se referem à personagem negra, como no trecho: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão".

Os movimentos sociais negros há tempos reivindicam ação substantiva por parte do Estado brasileiro em políticas públicas para a educação das relações étnico-raciais. Os movimentos sociais brancos e a elite, por sua vez, recusam toda e qualquer medida que visa combater o racismo e seus derivados na sociedade brasileira. Por sua vez, identificam-se setores progressistas da sociedade que lutam pelos direitos humanos, direitos das mulheres, gays e indígenas, mas que infelizmente se calam diante da luta antirracista.

Na questão em debate, de maneira previsível, debocham da pesquisadora e professora universitária e conselheira do CNE Nilma Lino Gomes, responsável maior pelo parecer, que possui formação intelectual que não fica atrás de nossa elite branca, uma vez que possui doutorado pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado na Universidade de Coimbra, sob orientação de um dos maiores nomes da intelectualidade atual, a saber, Boaventura de Sousa Santos. Mesmo com esse histórico intelectual, ela tem sido vista pelos racistas de plantão como incompetente e racista ao inverso. Isso somente reforça a obsessão pela continuidade da estrutura racista em nossa sociedade. Sobre o autor, Monteiro Lobato, nascido no século XIX, eugenista convicto, diz-se apenas ser uma referencia clássica. Certamente uma clássica escolha da elite nacional, que do alto de sua arrogância e prepotência acredita que seus eleitos sejam intocáveis e não passíveis de qualquer crítica e consideração.

O MEC tem o dever de combater qualquer tipo de situação discriminatória para qualquer grupo racial. Assim, o que deve ganhar nossa atenção nessa contenda é o fato de que mesmo o edital do PNBE/2010, estabelecido pelo MEC/FNDE, ter traçado como objetivo a “Observância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano” e ter estabelecido, conforme anexo III do referido edital, que “Serão excluídas as obras que: 1.3.1. veicularem estereótipos e preconceitos de condição social, regional, étnico- racial, de gênero, de orientação sexual, de idade”, temos um ministro que defende a distribuição irrestrita do livro por compreendê-lo como adequado para a educação de crianças em pleno processo de socialização.

Considerando que os doutos e doutas que administram o MEC leram Jaques Delors, Paulo Freire, Edgar Morin e tantos outros que adoram citar, não se pode alegar ingenuidade por parte da equipe diretiva do MEC, que aceitou parecer favorável à compra e à distribuição desse livro nas escolas públicas, cujo conteúdo fere o próprio edital por eles instituído. O que deve tomar o centro dessa discussão é o fato de o MEC anunciar uma política que vai ao encontro do disposto nas leis e também das reivindicações dos movimentos negros organizados, em nível nacional e internacional, mas na prática permitir o descumprimento de seu edital.

Ao ferir o edital, o próprio MEC abre precedente para que as editoras, cujas obras tenham sido excluídas por veicularem estereótipos, reivindiquem também a distribuição dos livros excluídos. Por que somente Lobato com estereótipo racial? Que tal o MEC também distribuir literatura sexista? Que tal textos com manifestações anti-semitas? Será que assim a sociedade se incomodaria?

Mas, por enquanto, mais uma vez magistralmente setores conservadores e/ou tranquilos com as consequências da discriminação racial nesta sociedade buscam inverter a discussão, de modo a que o maior problema passe a ser o tal “o racismo ao revés e a radicalidade dos movimentos negros”, e joga-se para debaixo do tapete o que deveria ser o centro da análise: o esfacelamento dos objetivos de combater a disseminação de estereótipos e preconceitos na política do PNBE, MEC.

Sejamos de fato coerentes e anti-racistas, reconheçamos a não-observação aos critérios do estabelecidos no Edital do PNBE/2010, insistamos na pergunta e exijamos do MEC uma pronta resposta: o que de fato ele tem realizado, quanto tem investido e qual a consistência e a efetividade de suas realizações, sobretudo em comparação com o que tem investido nas demais questões ligadas à diversidade e aos grupos historicamente discriminados? Dos livros selecionados pelo PNBE 2010, quantos favorecem a educação das relações de gênero? Quantos promovem o conhecimento positivo sobre a história e cultura dos povos indígenas? Se o MEC tivesse respeito por nós, seríamos informados sobre o cumprimento das metas para a implementação do artigo 26ª da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Lei n. 9394/96), que se refere à obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras, indo ao encontro de tratados internacionais como a Convenção Contra a Discriminação na Educação (1960) e o Plano de Ação decorrente da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância Correlata (2001), ambos sob os auspícios da Unesco.

Em 17 de abril de 2008, em entrevista à Agência Brasil, apos receber críticas sobre o retrocesso nas políticas para o combate ao racismo, o diretor do Departamento de Educação para Diversidade e Cidadania do MEC, Armênio Schmidt, confirmou a suspensão da distribuição de material didático e de ações de formação de professores na área étnico-racial em 2007. Segundo ele, a interrupção, apenas externa, nas ações voltadas à questão racial ocorreu por causa das mudanças no sistema de financiamento do MEC. Para o diretor tal suspensão se justificava pelo fato de o MEC estar, em 2007, “construindo uma nova forma de indução de políticas, de relação com estados e municípios, que foi o Programa de Ações Articuladas”. Para ele: “Durante [aquele] ano ... [2007] realmente não houve publicações e formação de professores. Mas, na nossa avaliação, não houve um retrocesso, porque isso vai possibilitar uma nova alavanca na questão da Lei [10.639]. Agora estados e municípios vão poder solicitar a formação de professores na sua rede, e o MEC vai produzir mais publicações e em maior número”(2).

Em 2010, além de não percebermos o fortalecimento da política, tampouco a retomada das publicações e uma consistente e sistemática formação de professores, flagramos o MEC permitindo a participação de livro cujo conteúdo veicula estereótipos e preconceitos contra o negro e o universo africano, constituindo assim flagrante inobservância das normas estabelecidas.

O atual presidente Lula, em seu começo de mandato, evidenciou, no campo da educação, a importância do combate ao racismo, promulgando a Lei 10.639/03, que, como já mencionado, alterou a LDB, tornando obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras na Educação Básica. Tal alteração contou com a pronta atenção do CNE, que, sob responsabilidade da conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, elaborou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino das Relações Étnico-Raciais e de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (CNE/CP 3/2004), cuja homologação foi assinada pelo então ministro da Educação, Tarso Genro. Contudo, embora conte com 83% de aprovação por parte da população e tenha ao longo de seu mandato visitado várias vezes o continente africano e discursado eloquentemente sobre a necessidade de reconhecimento do valor dos afrodescendentes na formação de nosso Estado Nacional, ele encerra seu mandato permitindo um declínio acentuado na elaboração e na implementação de políticas anti-racistas no campo da educação.

Se em 2003 podíamos reconhecer, ainda que timidamente, o fato de o combate ao racismo fazer parte da agenda política brasileira; em 2010, devemos denunciar o descompromisso com essa luta. Descompromisso que pode ser percebido pela redução acentuada do orçamento para a educação das relações raciais, pelo enxugamento da equipe de trabalho da Coordenação Geral de Diversidade e Inclusão Educacional/SECAD/MEC, responsável pela implementação das ações de diversidade étnico-racial. Ainda vale ressaltar que houve a retirada do portal de diversidade da rede do MEC; a interrupção de publicações sobre o tema para a formação de profissionais da educação, pelo frágil apoio que das secretarias de educação para o cumprimento do proposto no parecer CNE/CP 3/2004. Essas constituem algumas referências negativas, entre várias outras apontadas pelos estudos sobre o tema.

Nós negros, cidadãs e cidadãos, que trabalhamos duramente longos anos para a eleição do presidente Lula esperávamos mais. Esperávamos mais tanto do presidente quanto da sua equipe executiva que administra a educação brasileira. Esperávamos minimamente que ao longo desses anos a equipe tivesse compreendido o alcance e o impacto do racismo em nossa sociedade. Esperávamos que eles, respeitando os princípios de justiça social, independentemente dos grupos no poder, emitissem manifestações veementes pelo combate ao racismo na educação. Pelo visto as promessas de parcerias e acolhimento das nossas considerações eram falsas.

O que temos como resposta, para além do silêncio de toda Secretaria de Educação, Alfabetização e Diversidade, é o posicionamento por parte do ministro, que não vê racismo na obra, colocando-se favorável à sua distribuição irrestrita, que, em companhia de outros elementos no cotidiano escolar, sabemos, contribuirá para a formação de novos indivíduos racistas, como já se fez no passado. Sem dúvida, o discurso do ministro mostra-se engajado com sua própria raça, classe e gênero. O mais irônico é saber que em pleno século XXI o Brasil será visto como um país que avança na economia e retrocede nos direitos humanos da população negra.

Muitos admiram Monteiro Lobato. Eu admiro Luiz Gama que se valeu das páginas da imprensa em defesa da liberdade dos escravizados e disse, sintetizando nossa ainda atual resistência cotidiana: “Em verdade vos digo aqui, afrontando a lei, que todo o escravo que assassina o seu senhor, pratica um ato de legítima defesa”. O conhecimento é a arma que dispomos para lutar pela defesa de nossa história, nossa existência, bem como do futuro de nossos filhos e filhas. Essa é uma luta desigual, portanto desonesta. Mas ainda que muitos queiram nosso silêncio, seguiremos lutando e denunciando essa forma perversa de racismo que perdura na sociedade brasileira.

----------

(1) Tal obra foi selecionada pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola/2010, que objetiva a “seleção de obras de apoio pedagógico destinadas a subsidiar teórica e metodologicamente os docentes no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem nos respectivos campos disciplinares, áreas do conhecimento e etapas/modalidades da educação básica” (Brasil. Edital PNBE 2010. Brasília: MEC/FNDE, 2010).

(2) Agência Brasil. Pesquisadora aponta retrocesso na política de combate ao racismo nas escolas. Disponível em:
http://verdesmares.globo.com/v3/canais/noticias.asp?codigo=216721&modulo=450 . Acessado em: novembro de 2010.