sábado, 31 de maio de 2008

Esquinas nas estradas e Boaventura Santos - uma Raposa, uma Serra, um Sol e as suas bifucarções















Venho tentando estudar, trabalhar, refletir, atuar e domir, sim tenho conseguido dormir algumas horas por dia, principalmente no ônibus que faz a ligação entre Recife e Serra Talhada. No caminho que faço geralmente dormindo.
Neste trajeto a BR- 232 corta as cidades com um olhar paralelo até o munícipio de São Caetano, a estrada tem dois sentido bem definidos, os que vão e os que voltam, a dinâmica entre as duas vias segue manhã, tarde, noite e madruga. Por ali passam e atravessam pessoas das mais distintas origens, com finalidades diversas em percorrer o caminho e a partir dos meios de transportes múltiplos (à cavalo, expresso canelinha, de lotação, carros de primeira/última geração - dos anos 60 até o do ano que vem).
Curioso que por várias cidades atingidas por essa rota encontramos situações diversas, um exemplo delas é que não teríamos passar pela cidade de Pesqueira e não pensar nos Xucurus. Com outra perspectiva é chocante à situação de pobreza extrema na cidade de Bom Nome(crianças puxam uma corda nas lombadas onde se lê em um pedaço de papelão: "ESTOU COM FOME"). Encontramos também pela via os postos da polícia militar (ou polícia rodoviária) com o objetivo de combater a ida e vinda da maconha,dos que estão sem documentos, dos que passam por lá através de um simples aceno ou a famosa "carteirada". A primeira pergunta que se faz nesses postos militares é: "Alguma autoridade militar ou civil presente?".
Vislumbramos postos de gasolina/álcool/disel (também em categorias diferenciadas) alguns deles parecem locais abandonados no qual o máximo que se pode conseguir é uma dica para chegar em outro posto, outros contém todas as características de um shopping center.
Discorro tanta ladinha,não apenas com o objetivo de em um texto de Boaventura Santos sobre Raposa/Serra do Sol...Pois é...Porém com o interesse em algum momento recortar cada passagem e paisagem dessas narradas anteriormente, um dia aglutinarei essas esquinas nas estradas...Prometo.Por enquanto segue apenas o texto.
Bifurcação na Justiça* Boaventura de Sousa Santos
(Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra)

Entende-se por bifurcação a situação de um sistema instável em que uma alteração mínima pode causar efeitos imprevisíveis e de grande porte. Penso que o sistema judicial brasileiro vive neste momento uma situação de bifurcação. O Brasil é um dos países latino-americanos com mais forte tradição de judicialização da política. Há judicialização da política sempre que os conflitos jurídicos, mesmo que titulados por indivíduos, são emergências recorrentes de conflitos sociais subjacentes que o sistema político em sentido estrito (Congresso e Governo) não quer ou não pode resolver. Os tribunais são, assim, chamados a decidir questões que têm um impacto significativo na recomposição política de interesses conflituantes em jogo.
Neste momento, o país atravessa um período alto de judicialização da política. Entre outras acções, tramitam no STF a demarcação do território indígena da Raposa Serra do Sol, a regularização dos territórios quilombolas e as acções afirmativas vulgarmente chamadas quotas. Muito diferentes entre si, estes casos têm em comum serem emanações da mesma contradição social que atravessa o país desde o tempo colonial: uma sociedade cuja prosperidade foi construída na base da usurpação violenta dos territórios originários dos povos indígenas e com recurso à sobre-exploração dos escravos que para aqui foram trazidos. Por esta razão, no Brasil, a injustiça social tem um forte componente de injustiça histórica e, em última instância, de racismo anti-índio e anti-negro. De tal forma, que resulta ineficaz e mesmo hipócrita qualquer declaração ou política de justiça social que não inclua a justiça histórica. E, ao contrário do que se pode pensar, a justiça histórica tem menos a ver com o passado do que com o futuro. Estão em causa novas concepções do país, de soberania e de desenvolvimento.
Desde há vinte anos, sopra no continente um vento favorável à justiça histórica. Desde a Nicarágua, em meados dos anos oitenta do século passado, até à discussão, em curso, da nova Constituição do Equador, têm vindo a consolidar-se as seguintes ideias. Primeira, a unidade do país reforça-se quando se reconhece a diversidade das culturas dos povos e nações que o constituem. Segunda, os povos indígenas nunca foram separatistas. Pelo contrário, nas guerras fronteiriças do século XIX deram provas de um patriotismo que a história oficial nunca quis reconhecer. Hoje, quem ameaça a integridade nacional não são os povos indígenas; são as empresas transnacionais, com a sua sede insaciável de livre acesso aos recurso naturais, e as oligarquias, quando perdem o controlo do governo central, como bem ilustra o caso de Santa Cruz de la Sierra na Bolívia. Terceira, dado o peso de um passado injusto, não é possível, pelos menos por algum tempo, reconhecer a igualdade das diferenças (interculturalidade) sem reconhecer a diferença das igualdades (reconhecimentos territoriais e acções afirmativas). Quarta, não é por coincidência que 75% da biodiversidade do planeta se encontra em territórios indígenas ou de afro-descendentes. Pelo, contrário, a relação destes povos com a natureza permitiu criar formas de sustentabilidade que hoje se afiguram decisivas para a sobrevivência do planeta. É por essa razão que a preservação dessas formas de manejo do território transcende hoje o interesse desses povos. Interessa ao país no seu conjunto e ao mundo. E pela mesma razão, o reconhecimento dos territórios tem ser feito em sistema contínuo, pois doutro modo desaparecem as reservas e, com elas, a identidade cultural dos indigenas e a própria biodiversidade.
Estes são os ventos da história e da justiça social no actual momento do continente. Ao longo do século XX não foi incomum que instâncias superiores do sistema judicial actuassem contra os ventos da história, e quase sempre os resultados foram trágicos. Nos anos trinta, o ST dos EUA procurou bloquear as políticas do New Deal do Presidente Roosevelt, o que impediu a recuperação econónimca e social que só a segunda guerra mundial permitiu. No início dos anos setenta, o ST do Chile boicotou sistematicamente as políticas do Presidente Allende que visavam a justiça social, a reforma agrária, a soberania sobre os recursos naturais, fortalecendo assim as forças e os interesses que ganharam com o seu assassinato.
Em momento de bifurcação histórica, as decisões do STF nunca serão formais, mesmo que assim se apresentem. Condicionarão decisivamente o futuro do país. Para o bem ou para o mal.

* Texto gentilmente cedido pelo autor como contribuição especial ao Seminário "Povos Indígenas, Estado e Soberania Nacional", promovido pelo "Observatório da Constituição e da Democracia" – C&D, do Grupo de Pesquisa Sociedade, Tempo e Direito – STD, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – UnB, e Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas – FDDI, evento realizado em 28 de maio de 2008, no auditório "Dois Candangos", da Faculdade de Educação da UnB.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

13 de maio - duas faces. Milhões de interfaces nas esquinas


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Essa semana foi comemorando o dia 13 de maio.

Digito novamente: comemorado! Também aplaudido, festejado e ainda mais bem curtido, principalmente no dia 14.05.

A festa foi completa, eu não estava lá no dia 13, muito menos no dia 14, sequer consegui escutar o rádio ou acompanhar aqueles quadros angustiantes que ficam nos sítios da net.Desliguei a T.V. porque aquela bolinha dourada que aparece no canto da tela dá arrepios.

Caros e caras é bom demais ser rubro-negro, negro de alma e corpo. Melhor ainda é você dedicar à uma paixão da sua vida um tempo(mesmo que ilusórios de um transe coletivo), interesse(mesmo que sem perder as prioridades) e reflexões(sonhos nos quais além do time, a cidade, o Estado, a Região sejam reconhecidos por suas potencialidades).

Bom demais, ser nordestino, paraibucano e ver o Sport chegar em decisões ou momentos nos quais parecem reservados para uma elite paulista-carioca que domina a mídia futebolística. Essa mesma dominação infelizmente ainda hoje influencia comportamentos e torcidas extraterritoriais, principalmente dos meus irmãos e irmãs paraibanos (Não discuto mais isso...E hoje em dia acredito que o maléficio está enraizado).

Vai ser lindo ser campeão da Copa do Brasil após 19 anos da primeira final. Pode ser...Pode ser. Lembro que em 1989 estava na Ilha do Retiro, do jogo pouco lembro, apenas o fato de ir com meu Tio, meu avô (que não é rubro-negro, mas é nêgo e do négo) e um colega do colégio(gaúcho torcedor do Inter), recordo nitidamente do meu boné do Sport no qual pintei uma estrela amarela após 1987. Nossa como era terrivelmente pintada a estrela...rs.

Recordo mais das sensações (gosto de amedoim cozido e torrado com guaraná), o trânsito das pessoas vestidas com a camisa do Sport,o estádio lotado de indíviduos mas gritando em um só pulmão: SPORT!SPORT!SPORT!.

Caso o Sport não vença o Vasco ou não ganhe a final, ficarei chateado,como todo e qualquer torcedor que vê a chance de ir para a disputa das libertadores escorrer pelas mãos, mas acho que novamente demos (pernambucanos, rubro-negros) uma lição sobre a importância de gostar, vibrar, viver com nossos localismos, tirar mais uma onda do vizinho torcedor do Naútico, ou dar uma "gaitada"no tricolor que trabalha conosco.

Para não dizer que tive influências externas, até hoje invejo e admiro muito o São Paulo Futebol Clube, sua estrutura de clube (Estádio, Hall de Taças, Museus e etc), a seriedade (pelo menos aparente) de seus dirigentes, os belos times montados por Cilinho e Telê, os craques que em algum momento quis ser na minha infância: Muller, Careca, Silas, Serginho Chulapa e Sidney (esse era um Negão com um semi-rasta, que jogava muita bola e batia muito também...rs).

Muitos dos paraibanos que torcem para times cariocas falam mais ou menos isso que comentei acima, lembram de Zico ou Roberto Dinamite, de um pai, tio ou avô que escuta na rádio os jogos cariocas, para mim que vivi apenas 120 km de distância também no período em que o futebol se apresentava com tantas belezas para minha vida, quis ser jogador do Sport (ou pelo menos nas peladas nas ruas e colégio), dizia que era : Betão, Ribamar, Robertinho, Marco Antônio ( O XERIFE) e até Henágio ( um jogador que vivia no banco do Sport, não jogava quase nada, mas quando o jogo não dava em nada era o nome puxado pela torcida, até hoje não sei se por gozação, ou tinha gente que acreditava no cara...rs). Outro Negão que batia mais na área do que os zagueiros.

O dia 13 de maio para mim é o aniversário do Centenário Sport Club do Recife. Falam e insistem alguns na comemoração do 13 de maio em face da Lei Áurea "abolição da escravidão no Brasil"!?. Esse dia para mim só tem importância considerado como um dia de denúncia da exploração contínua dos negros/as no Brasil.

Nessa data temos um Decreto (mania de lei desde sempre...rs) da Princesa ISabel, atualmente o Decreto celebra seus 120 anos de idade, momento no qual se constituí no Brasil a mais ampla passagem do processo de escravidão racial para o de exclusão social...

De certo apenas mais 120 anos para que, computadas as abolições em movimento pela população negra e das outras cores,etnias, línguas, culturas e sabores que se reconhecem parte da mesma causa, poderemos cogitar em colocar o 13 de maio com menor acidez nas referências da vida do povo negro, enquanto isso não ocorre, todo dia 13.05 é apenas data do aniversário do Sport e todo dia é dia de reflexão para a questão negra...

Meu Jesus é negão (desenho acima com o manto sagrado)...Quando eu encontrar um assim em uma Igreja Católica (para além da obra de Ariano - foto com o manto sagrado) talvez minha resistência perante essa instituição que aceitou/estimulou o processo de prisão, escravidão e extermínio dos meus antepassados diminua um pouco (coloco que tenho profunda admiração pela Teologia da Libertação e seus ícones, mas para mim não fazem parte DA Igreja e sim são focos de resistência).

Compreendo que como aqueles que fazem barricadas teóricas e/ou práticas contra o "império capitalista", como os outros que fazem resistência contra a discriminação e preconceito ou como aquelas moças que fazem trincheiras em várias partes do mundo através de suas alternativas vivas de inserção, revolução ou modificação do status quo, me sinto alicerçado a continuar.

Vislumbro um país das sub-versões (versões subterrâneas que não foram ainda contadas) como aqueles/as de homens e mulheres sem nomes ou parentes importantes que estão à margem dos pretensiosos discursos acadêmicos,políticos e/ou "culturais" dominantes, entendo por outro lado que temos aqueles/as que através da academia, da política e/ou lutas culturais barulhentas e silenciosas percebem e atuam unidos mesmo que (ainda bem que...rs) caleidoscopicamente entendendo, compreendendo, percebendo, comungando e caminhando com os anseios das diferentes formas de manifestação contra o que está presente.

Meu grito pelo Sport não é só uma paixão de futebol, mas é a compreensão de que do meu localismo individualizado e/ou compartilhado em campo com outros milhares : Não!Não somos cariocas, não somos italianos, não somos torcedores apenas, somos uma resistência em cadeia, do que representamos nas nossas falas, no nossos jeito de cantar, nos pratos prediletos, na face queimada do sol, no gosto pelo litoral e pelo sertão. Sim!Somos Pernambucanos, nordestinos,brasileiros, latino-americano.

Não esqueço de que as divisões (territoriais) e categorias (sociais) foram impostas, pois tanto faz um negão ou negona nas ruas de Recife, Paris ou Buenos Aires, elas e eles são marcas da história do mundo, alguns se utilizam de outras categorias como mais "internacionalizáveis" - consumidores ou excluídos por exemplo, tais perspectivas podem nos calar, nos fazem esquecer para não perceber o que sempre está impregnado na cor da gente.

Negões e negonas, não temos que agradecer à princesa ou a presidente. Não somos fruto dos sonhos iluministas, capitalistas ou até mesmo comunistas, por maior proximidade que possamos ter com os sonhos libertários e igualitários, mas é preciso que entendam de que somos frutos das nossas próprias experiências, dos nossos próprios deslocamentos e até descoloramentos (aff...vivem me chamando de moreninho...rs), somos assim como o Sport (rubro-negros), somos nós mesmos gritando solitários dentro do quarto ou arrudiado de milhões.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Moderno...ou nem sempre.Esquinamente


A lua continua moderna...Pensa-se nela desde sempre, poética e profética. Semana passada ouvi falar em mais um projeto de colonização da lua, os EUA tem quase tudo pronto e pensado. Eu daqui espero que seja apenas mais um blefe, provavelmente os ingleses disseram o mesmo quando Colombo e outros se lançaram ao mar. Enfim, talvez para as razões do meu umbigo, minha aflição seja apenas mais um dos meus apegos ao moderno. - Sobre a noção de modernidade. É uma questão desconcertante. Toda era não seria ´moderna´em relação a precedente()Parece que pelo menos um dos componentes de ´nossa´modernidade é a expansão da consciëncia que temos dela. A consiëncia de nossa consciëncia (a dupla, o segundo grau) é nossa fonte de força e nosso tormento. - Edouard Glissant.
ps. Teclado diferente, erros frequentes.