quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

MM. Abordagem de vidas defensoras.

Amanhã, dia 30 de janeiro de 2009, será realizada uma missa de 7° dia pela morte do advogado Manuel Mattos (Foto). Nos últimos dias procurei não refletir sobre tal perspectiva da vida e da morte, centralizando meus esforços em acompanhar os desdobramentos do caso e os passos institucionais que estão sendo dados para a resolução do crime.

Não me sinto a vontade para escrever sobre condições materiais ou em relação as denúncias aqui no blog.

Irei portanto, trabalhar um aspecto que não será provavelmente debatido pela mídia, pelos Estados e até por vários militantes dos direitos humanos, é uma questão conceitual que nos une.

Todos somos Manuel Mattos, os que não entendem porque, ou mesmo aqueles que se deixam convencer e proferir conceitos de senso comum sobre os direitos humanos. Talvez você aí nunca se deu conta que pode ser um Defensor de Direitos Humanos, talvez até acredite que tenha clube e carteirinha para fazer parte.

Vou partir de linhas “normativas” sobre a definição para Defensor dos Direitos Humanos para que possamos entender um pouco, porque você e eu somos Manuel Mattos, ou Dorothy Stang, essa conceituação, foi criada com a Resolução 53/144 de 1998 da Assembléia Geral das Nações Unidas, aprovada com o título de: “Declaração dos Direitos e Responsabilidades dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade para Proteger os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidas”.

No ano de 2000, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas estabeleceu o cargo de Representante Especial da Secretaria Geral sobre os defensores de Direitos Humanos.

Em 2001 em Assembléia Geral da ONU apresenta-se a definição do defensor de direitos humanos, ou seja: “Um defensor de direitos humanos é uma pessoa que trabalha, de forma pacífica, por qualquer dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.”Minha questão para você que ainda não sabe o porque está sendo comparado com Martin Luther King ou Gandi, seria, você já leu a Declaração Universal de Direitos Humanos?

Vamos entender o que está escrito nessas resoluções, pois se o tema direitos humanos, com uma Declaração Universal, aprovada por vários países do Ocidente no ano de 1948, ainda é pouco entendida, imaginem só uma resolução que demorou praticamente 50 anos, e que tem por finalidade estabelecer critérios gerais para o que é uma pessoa defensora dos direitos humanos.

Então, vamos encarar por partes, primeiro os Direitos (de forma geral) são mutáveis historicamente, o que era Direito em 1948 pode não ser mais direito em 2049, se nossa posição fosse meramente formal, alguém poderia chegar facilmente na esdrúxula idéia de que o direito a vida poderia não ser é mais direito.

É neste momento que são criados os valores e/ou princípios fundamentais, sem os quais, a idéia posta acima poderia ganhar adeptos em todos os recantos do mundo e não é preciso ir muito longe para que alguém diga: “ bandido bom é bandido morto”, apenas não passa por essas frases a imagem, de que o bandido pode ser a própria pessoa, o filho, a esposa, o amigo, o namorado, e que o conceito de bandido, não está restrito apenas os crimes contra a vida ou patrimônio (furto ou roubo), pode ser dentro de várias infrações, dirigir embriagado, falar no celular no trânsito, lavagem de direito, ameaça na rua, discriminação, inadimplência contra credores e por aí vai...Sobraria alguém?

E olhem que quase todo final de semana escuto esse tipo de coisa de amigos/colegas/familiares/contraparentes que me conhecem em média nos últimos 05 anos, pois é não é fácil.

Voltando um pouco a nossa discussão sobre direitos humanos e defensores de direitos humanos, podemos considerar que cada região, país, etnia, grupos social, tenha uma compreensão diferenciada, pois possuem um conteúdo cultural diversificado, não detém um rol definido e acima de tudo, revelam uma imensa gama de interpretações, todas elas, porém, convergem para valores como a Dignidade Humana, a Liberdade, a Igualdade e ao acesso às oportunidades, apresentados cada qual em uma multiplicidade de formas, que nos diferenciam e na mesma “levada” nos tornam iguais enquanto seres humanos, essa equação é tão básica como fácil de exercê-la diariamente, ou não?

O Defensor de Direitos Humanos, parte não daquelas resoluções da ONU, pela quais iniciamos a conversa, ele se põe além delas, ele pode até se posicionar em um determinado momento com elas, por elas, mas não fica estanque diante dessa constatação, pois compreende a diferença e igualdade dos outros com ele mesmo, nesse momento dialoga com o universo e dele retira todas as dimensões para melhor conhecer a si mesmo, como a encarar os desafios postos pela condução histórica da humanidade.

O Defensor dos Direitos Humanos parte de condutas firmadas na Dignidade Humana, presente em cada um de nós e nos valores de uma comunidade, desde que respeitando a forma como as outras se colocam perante a humanidade. Desta forma devemos entender de forma multidimensional o papel de um Defensor de Direitos Humanos, ele não é um cara ou uma cara de carteirinha na mão, ele não tem necessariamente uma bíblia ou livro sagrado para regular suas formas de ver e agir, simplesmente ele descobre que as formas que a vida se apresenta não são aquelas impostas ou definidas por outras pessoas, o privilégio do defensor de direitos humanos, é agir coletivamente e refletir compulsivamente por suas próprias medições que são estabelecidas nas suas descobertas pessoais e/ou em grupos.

Manuel Mattos e outros defensores de direitos humanos, que tenho orgulho de ter conhecido, são múltiplos em suas experiências, campos de ação, formas de encarar as situações da vida, agem com suas convicções e contradições, mas agem.

Entender essas subjetividades e objetividades de uma pessoa que se coloca enquanto defensora de direitos humanos, não é fácil, são das suas experiências, observando sua historicidade e a natureza dinâmica de cada novo momento, que desembocam diálogos, ações e novas reflexões, com vistas a buscar nelas possibilidades, horizontes, limites e ambigüidades, a idéia de defesa da humanidade transcende a individualidade, ela complementa-se na coletividade e transborda em reticências que não significam o fim, mas novos começos.

Obrigado Manuel Mattos, pode ter certeza que várias pessoas levam com elas o que você ensinou, tudo que você fez e até o que não fez, várias batalhas são perdidas, mas apenas são válidas no momento em que são lutadas.


quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Carnavais, Malandros e Heróis.


Roberto DaMatta, considerado por muitos, um dos maiores antropólogos modernos do Brasil, é um escritor/pesquisador que tem como característica principal uma escrita crítica, simples e bem humorada.
Cultuado nas décadas de 1970 e 1980 entre os estudantes de ciências sociais, atualmente suas obras começam a chegar no campo do direito - sempre 30 anos luz de distância - pois bem, em determinado momento do livro que leva o título dessa postagem, constituí uma relação entre as instituições e leis do Estado brasileiro e faz uma comparação rápida com o sistema nos E.U.A, asseverando que :
"No Brasil....Pobre de quem tem de ser haver diretamente com as leis e com as instituições impessoais do Estado na sua lógica jurídica que "não pode parar" e tem razões que o coração deve desconhecer. Nota-se, pois, que entre nós o Estado é poderoso não como mero instrumento de classe, mas, sobretudo, como uma área dotada de recursos e leis próprias.Um domínio capaz de criar um espaço social fundado no indívidou, onde as relações estruturais e dominantes do universo da família, do compadrio, da amizade, da patronagem e do parentesco podem ser colocadas em risco e, por causa disso, serem reforçadas(...) será mesmo possível escapar do sistema americano?Tudo parece que não. Lá um único movimento parece possível: marchar sempre na direção do sistema, procurando nele, e através dele, cravar a diferença ou a inovação que, anteriormente, sugeria a renúncia e/ou a mudança social radical. É assim que todo o chamado movimento hippie já pertence ao estabelecimento, na dialética sistemática e perene de canibalização de todas as vanguardas que caracteriza o American way life."
Durante mais um bombardeio midiático sobre a posse do novo governante do mundo, fiquei a pensar em várias questões (nós x eles), até o momento em que tive um devâneio histórico: Imagine César entrando em Roma, sendo proclamado Imperador de Roma, isso tudo com a mesma cobertura que vimos nos últimos dias, nós, pertencentes as colônias vibrando com a chegada de mais um líder...Visões de um museu com grandes novidades.
A questão que sinalizo no texto do DaMatta, é a nossa idéia de formação de um sistema por dentro dele mesmo, nos moldes de valores, sentimentos, modelos que não nos pertencem, ao mesmo tempo no qual temos uma concretização de forma perjorativa dos carnavais e dos malandros transeuntes das instituições que se esquivam das suas responsabilidades, mesmo que não sejam heróis.
Nos E.U.A a criatura do super herói, é uma plastificação de deuses, semi-deuses e afins da Grécia e Roma, não é necessário ir muito longe para ver a mitificação em torno das histórias em quadrinhos e filmes em torno desses personagens, porém em determinados momentos, super-homem, batman, rambo e outros não proporciona tal euforia, desta forma eles constituem heróis de carne e osso, no caso, o novo presidente, super e ultra étnico, das lutas comunitárias até as nuances nucleares, da cor marcada pela história de discriminação racial, individual e institucional, ao mesmo tempo que se torna advogado por Harvard, ou seja será Obama canibalizado ou é fruto da própria canibalização?
No Brasil, nossos heróis são os deles, os nossos fazemos questão de não reverenciar, mas como canta Jorge Ben: "Quando Zumbi chegar, o que vai acontecer?Zumbi é senhor das guerras, é senhor das demandas, quando Zumbi chega é Zumbi que manda....".Será que viverei o suficiente para que dentro do sistema, após um nordestino, sem diploma, sindicalizado no poder executivo, poderei ver um/a negro/a na presidência?
Duvido muito, duvido de tudo...Por aqui é tudo empacassado...se é que se escreve assim essa palavra...Daqui a pouco chega o carnaval.
No passo que a criança segue, a bola fica para trás...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Palestina - MASSACRE EM GAZA

- FOTO - http://www.fotosite.com.br/palestine

Essa foto faz parte de um trabalho realizado no ano de 2003 por diversos fotógrafos, o título original é : Palestine, d´un monde à l´autre.

A exposição foi censura na França, especificamente na cidade de Lille, como aponta Alan Camargo, a justificativa da censura seria em face de que a exposição incentiva à violência :

"A exposição "Palestina, de um mundo a outro", censurada em maio de 2003 pela prefeitura de Lille (França), está no Fotosite --site brasileiro especializado em fotografia.Composta por trabalhos de quatro fotógrafos --Pierre Devin, Fabiana Figueiredo, John Tordai e Rula Halawani-- com suas diferentes visões sobre a realidade do povo palestino, a exposição foi vetada na França porque autoridades locais julgaram que elas "mostram imagens que legitimam ações terroristas", e que, portanto, não poderiam ser exibidas na cidade. Pierre Devin, em texto sobre o episódio, colocou que as imagens nada têm a ver com o ato de incitar a violência, apenas mostram a realidade local tal como ela é, sem maquiar as cenas".Fonte - http://www.fotosdeviagem.hpg.ig.com.br.

Aproveito o espaço para deixar uma reflexão sobre o que está acontecendo na Faixa de Gaza e sua repercussões, através da ótica do jornalista britânico Robert Fisk, o ano começou...

MASSACRE EM GAZA

Por Robert Fisk - The Independent - Dia 31.12.08

Por que bombardear Asklan é a mais trágica ironia?

Tanto Yitzhak Rabin como Shimon Peres declararam, ainda na década de 1990, que desejavam que Gaza simplesmente desaparecesse, que sumisse mar adentro. A existência de Gaza é um indício permanente das centenas de milhares de Palestinos que perderam suas casas para o Estado de Israel, que fugiram apavorados ou foram expulsos por temor à limpeza étnica executada por Israel há 60 anos. A análise é de Robert Fisk.

Como é fácil desconectar o presente da história palestina, deletar a narrativa de sua tragédia, e evitar a ironia grotesca de Gaza que, em qualquer outro conflito, os jornalistas estariam descrevendo desde suas primeiras reportagens: qual seja, que os habitantes originais e legais da terra israelense almejada pelos foguetes do Hamas, hoje vivem em Gaza.

Por isso existe Gaza: porque os Palestinos que vivem em Ashkelon e campos ao seu redor – Asklan em árabe - foram destituídos de suas terras em 1948 quando foi criado o Estado de Israel e empurrados para onde residem hoje, na Faixa de Gaza. Eles –ou seus filhos, netos e bisnetos- estão entre o um milhão e meio de Palestinos espremidos na fossa séptica de Gaza. 80% dessas famílias viviam no que é hoje o Estado de Israel.

Assistindo os noticiários, tem-se a impressão de que a história começou apenas ontem, que um bando de lunáticos islâmicos barbudos anti-semitas apareceu de repente nas favelas de Gaza –um lixão povoado por pessoas destituídas de origem - e começou a atirar mísseis contra a democrática e pacífica Israel, apenas para dar de encontro com a indignada vingança da força aérea israelense. Nessa história simplesmente não consta o fato de que as cinco meninas mortas no campo de Jabalya tinham avós oriundos da mesmíssima terra de onde os atuais habitantes as bombardearam à morte.

Percebe-se porque tanto Yitzhak Rabin como Shimon Peres declararam, ainda na década de 1990, que desejavam que Gaza simplesmente desaparecesse, que sumisse mar adentro. A existência de Gaza é um indício permanente das centenas de milhares de Palestinos que perderam suas casas para o Estado de Israel, que fugiram apavorados ou foram expulsos por temor à limpeza étnica executada por Israel há 60 anos, momento no qual uma imensa onda de refugiados varria a Europa no pós Segunda Guerra Mundial, e um punhado de árabes expulsos de suas propriedades não importava ao mundo.

Mas agora o mundo deveria se preocupar. Espremido nos poucos quilômetros quadrados mais densamente povoados do mundo, está um povo destituído, vivendo no isolamento, no esgoto, e, durante os últimos seis meses, na fome e no escuro, sancionados pelo Ocidente. Gaza sempre foi insurrecional. A "pacificação" sangrenta de Ariel Sharon, começando em 1971, levou dois anos para ser completada e não vai ser agora que conseguirão dobrar Gaza.

Infelizmente para os palestinos, perderam sua mais poderosa voz política –refiro-me a Edward Said e não o corrupto Yasser Arafat (e como os Israelenses devem sentir sua falta)- ficando a sua sorte, em grande medida, sem explicação, no que depender dos seus atuais porta-vozes ineptos. "É o lugar mais deplorável que já vi", disse Said, certa vez, sobre Gaza. "É um lugar terrivelmente triste devido ao desespero e à miséria em que vivem as pessoas. Não estava preparado para encontrar campos que são piores do que qualquer coisa que eu tivesse visto na África do Sul".

Claro que ficou a cargo da Ministra de Relações Externas, Tzipi Livni, admitir que "às vezes os civis também pagam o preço", um argumento que ela não usaria se a estatística de mortes fosse invertida. Foi certamente educativo ouvir ontem um membro do Instituto Empresarial Americano –repetindo fielmente os argumentos israelenses- defender o indefensável número de mortos palestinos, dizendo que "não faz sentido entrar no mérito dos números". No entanto, se mais de 300 israelenses tivessem sido mortos, contra dois palestinos, pode ter certeza que se entraria "no mérito dos números", e a violência desproporcional seria absolutamente relevante. O simples fato é que as mortes palestinas importam muito menos que as mortes israelenses. É verdade que 180 dos mortos eram membros do Hamas, mas e o restante? Se a estatística conservadora da ONU de 57 civis mortos for verdade, ainda assim seria uma desgraça.

Não é de surpreender que nem os EUA nem a Grã-Bretanha condenem o ataque Israelense, e ponham a culpa no Hamas. A política norte-americana para o Oriente Médio é indistinguível da israelense, sendo que Gordon Brown está assumindo a mesma devoção de cão à administração Bush, já demonstrada pelo seu antecessor.

Como sempre, os Estados árabes clientes –pagos e armadas pelo Ocidente- permanecem em silêncio, absurdamente, chamando uma cúpula árabe para discutir e (se chegar a isso) apontar um "comitê de ação" que redigiria um relatório que jamais será escrito. É assim que funcionam o mundo árabe e seus líderes corruptos. Quanto ao Hamas, este terá, é claro, que suportar a desmoralização dos Estados árabes enquanto cinicamente esperam que Israel fale com eles. O que farão. De fato, dentro de alguns meses, chegará a notícia de que Israel e Hamas mantêm "diálogos secretos" –assim como outrora ouvimos falar em relação a Israel e a ainda mais corrupta OLP. Mas, até lá, os mortos estarão enterrados e estaremos ingressando na próxima crise do Oriente Médio.

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaImprimir.cfm?materia_id=15452

Artigo publicado originalmente no jornal The Independent e reproduzido na Folha de São Paulo.