terça-feira, 2 de setembro de 2008

Abraços - Eduardo Galeano em várias Esquinas


Sempre vi " O livro dos abraços" para vender em bancas de jornais, livrarias, postos de gasolina e sebos, mas pensava : Compro depois!
Semana passada em mais uma das pontes viárias, na espera da conexão Recife - Serra Talhada, com a bolsa abarrotada de livro de Direito Civil, e sem vontade de ler nenhum deles, parei na lojinha que vende quase-tudo(chaveiros, doces, camisetas, jornais, sucos e livros) comprei o danado (R$12,00).
Na conta de alguém que gosta de tomar uma(s) cervejinha(s) no final de semana, pesa um pouco, na conta de quem está interessado em conhecer um pouco mais tudo que nos cerca, a partir de situações do cotidiano, a leitura do " livro dos abraços" podemos cogitar que ler o livro, é tomar várias cervejinhas com Galeano (uma boa companhia).

A impressão que fica após a primeira leitura, ou cervejinha é : Putz...O cara é demais.
Depois da segunda leitura e outras cervejas, urge: Putz...Qualquer pessoa poderia fazer um livro assim.
Por fim, na hora de pagar a conta, alguns litros consumidos e a repetição quase que viciante de ler mais uma vez cada passagem , o sentimento que se expressa : PQP...A simplicidade é coisa para gênio.

E saímos junto com Galeano, trôpegos pelas ruas e pensamentos, rindo à toa e no devaneio circunstancial da embriagues, torcendo para que a noite não acabe com aquele abraço bem consolidado e a impressão de que não nos veremos mais.

"A BELEZA E A EMOÇÃO DOS ´PEQUENOS´MOMENTOS" .
Reproduzo alguns trechos que significantes para mim:

A PAIXÃO DE DIZER/2
Esse homem, ou mulher, está grávido de muita gente. Gente que sai por seus poros. Assim mostram, em figuras de barro, os índios do Novo México: o narrador, o que conta a memória coletiva, está todo brotado de pessoinhas.

DIZEM AS PARADES/2
Em Buenos Aires, na ponte da Boca : Todos prometem e ninguém cumpre. Vote em ninguém. Em Caracas, em tempos de crise, na entrada de um dos bairros mais pobres: Bem-vinda, classe média.
Em Bogotá, pertinho da Universidade Nacional : Deus vive. Embaixo, com outras letras: Só por um milagre.
E também em Bogotá: Proletários de todos os países, uni-vos! Embaixo com outra letra: (Último aviso.)

A DESMEMÓRIA/2

O medo seca a boca, molha as mãos e mutila. O medo de saber nos condena à ignorância; o medo de fazer nos reduz à impotência. A ditadura militar, medo de escutar, medo de dizer, nos converteu em surdos e mudos. Agora a democracia, que tem medo de recordar, nos adoece de amnésia; mas não se necessita ser Sigmund Freud para saber que não existe tapete que possa ocultar a sujeira da memória.

A TELEVISÃO/ 3

A tevê dispara imagens que reproduzem o sistema e as vozes que lhe fazem eco; e não há canto do mundo que ela não alcance. O planeta inteiro é um vasto subúrbio de Dallas. Nós comemos emoções importadas como se fossem salsichas em lata, enquanto os jovens filhos da televisão, treinados para contemplar a vida em vez de fazê-lo, sacodem os ombros.
Na América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou em jornais de escassa circulação. Os livros não precisam ser proibidos pela polícia: os preços já os proíbem.

A MORTE

Nem dez pessoas iam aos últimos recitais do poeta espanhol Blas de Otero. Mas quando Blas de Otero morreu, muitos milhares de pessoas foram à homenagem fúnebre feita numa arena de touros em Madri. Ele não ficou sabendo.

CHORAR

Foi na selva, na Amazônia equatoriana. Os índios shuar estavam chorando a avó moribunda. Choravam sentados, na margem de sua agonia. Uma pessoa, vinda de outros mundos, perguntou: - Por que choram na frente dela, se ela ainda está viva?
E os que choravam responderam:
- Para que ela saiba que gostamos muito dela.

EU, MUTILADO CAPILAR

Os barbeiros me humilham cobrando meia tarifa.
Faz uns vinte anos que o espelho delatou os primeiros clarões debaixo da melena frondosa.
Hoje o luminoso reflexo de minha calva em vitrines e janelas e janelinhas me provoca estremecimento de horror.
Cada fio de cabelo que perco, cada um dos últimos cabelos, é um companheiro que tomba, e que antes de tombar teve nome ou pelo menos número.
A frase de um amigo piedoso me consola : - Se cabelo fosse importante, estaria dentro da cabeça, e não fora.
Também me consolo comprovando que em todos esses anos caíram muitos dos meus cabelos mas nenhuma das minhas idéias, o que acaba sendo uma alegria quando a gente pensa em todos esses arrependidos que andam por aí.

CELEBRAÇÃO DA AMIZADE / 1

Nos subúrbios de Havana, chamam amigo de minha terra ou meu sangue.
Em Caracas, o amigo é minha pada ou minha chave: pada, por causa de padaria, a fonte do bom pão para as fomes da alma; e chave por causa de...
- Chave, por causa de chave - me conta Mario Benedetti.
E me conta que quando morava em Buenos Aires, nos tempos do horror, ele usava cinco chaves alheias em seu chaveiro: cinco chaves, de cinco casas, de cinco amigos: as chaves que o salvaram.

Um comentário:

Taíza Maria disse...

Chico Buarque e Eduardo Galeano são os únicos mortais que terão um lugar garantido, eterno e etério na minha cama!!
Se bem que duvido do grau de "mortalidade" deles!!
Adorei o texto... e na próxima cerveja, lembre-me de debatermos sobre ele!!