domingo, 8 de novembro de 2009

Meus personagens - Por Braulio Tavares








Esse cara para mim é o melhor escritor e intelectual vivo do Brasil, entrei em contato com Bráuliio Tavares através da música, para ser exato, quando comprei um CD de Lenine e me vi encantado pela música e título do CD "O dia em que faremos contato" - um trecho dela:
"A nave quando desceu, desceu no morro
Cheia de ETs vestidos de Orixá
Vieram pedir socorro
E se derem vez ao morro
Todo o universo vai sambar"

Depois fique fã da coluna praticamente diária no Jornal da Paraíba, a qual tento acompanhar pelo menos nos domingos de chão frio e sol quente dentro do apartamento planejando um monte de coisa que não irei fazer.

Descobri com o tempo que muita coisa das quais eu gosto musicalmente ou textualmente são obras ou referências de Braulio Tavares.

Algumas vezes penso que Braulio Tavares e outros que estão nessa foto acima poderiam ser um personagem meu...kkkkk...mera ilusão e pretensão, mas que é divertido pensar isso é...rs


Texto - Meus Personagem - Braulio Tavares (Domingo 08.11.09 - Jornal da PAraíba)

Sob um sol de rachar em São Paulo, às 16h, eu caminhava subindo a Bela Cintra. Ao parar num sinal olhei para dentro do boteco ao lado. Lugar mambembe, moscas, luzes fluorescentes. Mesas de fórmica, quase todas vazias. Numa delas, um homem de meia idade, num terno elegante, aparência abatida, palitava os dentes diante de um prato agora vazio. Reconheci-o: era um personagem meu, Ambrósio Ramos. Cinquenta e seis anos, desempregado, procura trabalho como um louco antes que a mulher desconfie do que está acontecendo. Foi despedido de uma multinacional onde ganhava 30 mil por mês e gastava 40. Desde janeiro está na rua.

É um guerreiro. Degustador de bons vinhos, só o faz agora em casa, enquanto dura a adega. Na rua, quando vai levar currículo de escritório em escritório, almoça um PF com guaraná. Não tem como pedir à esposa que gaste menos. Prefere a morte. Na verdade, no momento em que meus olhos cruzaram com os seus, percebi a serena certeza que o invadia, e a terrível resolução. Não havia outro caminho. Afastei os olhos, angustiado. Virei na direção da Haddock Lobo, fiz algumas compras na Bella Paulista (minha padaria favorita) e voltei devagar.

Ao passar por lá olhei de novo, e tive uma surpresa. Uma bela mulata, de vestido curto, estampado, estava sentada na mesa de frente para ele. Ela tomava um chope e ele uma água mineral. Os dois sorriam, animados... Como pude me confundir tanto? Ele é Ronald Seedorf, jornalista holandês de passagem por Sampa. Marcou encontro com uma “escort” ali, o bar mais próximo do hotel em que se hospedava. Queria conversar, quebrar o gelo, para que quando chegassem ao elegante saguão das suítes já houvesse entre os dois o confortável misto de intimidade e curiosidade que precede o sexo. Ronald escreve sobre economia e finanças. Conhece o Brasil há anos, e adora as mulheres brasileiras. Acha que são coquetes sem artificialismo, conseguem ser sensuais e alegres ao mesmo tempo (ao contrário das holandesas), conversam sem receio sobre qualquer assunto, mesmo que não entendam...

Vou descendo a rua e paro numa sorveteria. Peço um de maracujá com amora. Fico me deliciando, e, quando estou no final, quem vejo? O casal desce a rua e pára bem ali, fazendo sinal para um táxi. Entreouço frases cordiais de despedida, um aperto de mão cordial mas distante, ela entra sozinha no banco de trás... Agora entendi quem é ele. Chama-se Pepe Borriello, mora em Curitiba, e é o sogro dela. A mulata trabalha numa entidade ambiental, casou com o filho dele há um ano. Ele lhe trouxe recados e alguma pequena encomenda; ela marcou o encontro ali. Ele escreve ficção científica nas horas vagas (é dentista) e vai embora devagar, imaginando um planeta em que a pele das pessoas muda de cor de acordo com seu estado de espírito, de modo que elas são negras quando estão dançando e se divertindo, e brancas quando estão sonhando com a dor e a felicidade alheias.

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